COMUNICAÇÕESPAINEL PRINCIPAL

 

 

 

 

 

 

A FILOSOFIA DOS VULCANOS

 

O Site da USS Venture transcreve o artigo publicado em nossa Revista TRIBUNA QUARK de Abril de 2019, onde neste artigo nosso colaborador Flori Antonio Tasca tece comentários sobre a Filosofia dos Vulcanos no Universo de Jornada nas Estrelas (Star Trek), esta raça tão importante para o desenvolvimento da sociedade terrestre após o ano de 2063.

 

Aproveitem este artigo!

 


 

Entre as civilizações alienígenas com que a humanidade interage no universo de “Star Trek”, sobressai-se a dos vulcanos, uma espécie humanoide que se destacava pelo seu comportamento extremamente frio e racional. Os vulcanos aparecem na série como a primeira raça alienígena com quem os humanos fizeram contato, no ano de 2063, ressalvado o “lapso histórico” de 1957, como descrito no artigo “Missão Terra”, da edição 35 de Tribuna Quark, no qual é descrita a epopéia de uma ancestral de T´Pol, a primeira vulcana a servir como oficial de ciências em uma nave humana da Frota Estelar.

 

Sem dúvidas, Spock é o mais popular representante da civilização vulcana, um dos personagens centrais da série original, embora apenas seu pai fosse proveniente de Vulcano, pois a mãe dele era humana. De toda forma, por meio de Spock é possível vislumbrar alguns aspectos curiosos dos modos de viver e de pensar adotados por aquela civilização.

 

A característica principal  dos  vulcanos,  quando comparadas aos humanos, é a sua capacidade reprimir emoções e usar a lógica para orientar as ações de sua vida. Não é que eles não sintam emoções, como às vezes se imagina, mas eles consideram que não podem ceder a elas, ou perderão o controle de si mesmos e podem voltar a agir como bárbaros. De fato, essa postura vulcana diante da vida é resultado do fato de terem, ao longo de sua história, sofrido as consequências de agir por impulso e sob forte emoção.

 

Vulcano sofreu várias guerras devido ao comportamento ilógico de seus habitantes, situação que quase chegou a exterminar a vida no planeta. No mínimo, os vulcanos atrasaram consideravelmente o seu desenvolvimento devido ao comportamento violento e irracional. A adoção de uma filosofia voltada ao controle das emoções tem, portanto, a sua justificativa na tentativa de impedir que os tempos bárbaros retornem. A revolução no modo de pensar vulcano se deve, sobretudo, aos ensinamentos de Surak.

Surak foi um filósofo, cientista e lógico vulcano. Extremamente inteligente, desde cedo dominou os estudos e, quando adulto, sujeito igualmente ao descontrole emocional que caracterizava a sua espécie, passando a estudar antigos ensinamentos dos mestres de seu planeta. Aos poucos desenvolveu uma filosofia particular voltada à lógica e ao controle das emoções, criando disciplinas rigorosas e técnicas de autocontrole.

 

As suas idéias se espalharam e cada vez mais vulcanos passaram a concordar com elas, adotando, então, um novo modo de vida, descartando as suas armas e evitando emoções destrutivas. Foi quando a situação em Vulcano começou realmente a mudar (OS VULCANOS, s. d.).

 

Esse novo período na história de Vulcano passou a ser conhecido como o “Tempo de Despertar”. Entretanto, a nova filosofia de vida encontrou feroz resistência por parte de muitos vulcanos, o que fez com que esse período, também, fosse marcado por episódios de extrema violência que culminaram no próprio assassinato de Surak. Alguns dos que se opuseram à reforma promovida por Surak deixaram Vulcano em busca de um planeta só para eles. Esse “êxodo” seria a explicação para o surgimento dos Romulanos, a raça alienígena que ainda se comportaria como os vulcanos antes do surgimento de Surak.

Sem os grupos oposicionistas, os seguidores de Surak trataram de aplicar as suas ideias na sociedade vulcana. A doutrina de Surak tornou-se uma filosofia com aspectos de religião, semelhante ao papel que, para alguns povos da Terra, representaram o budismo e o taoísmo (FERRARA, 2017). Havia, até mesmo, uma “literatura sagrada”, como o Kir’Shara, artefato que continha os escritos de Surak, além de templos e rituais. Certas cerimônias e crenças de tempos passados continuaram praticadas na nova era vulcana. Os vulcanos também possuem uma relação especial a com morte, pois todos portariam um “katra”, uma espécie de “espírito” que pode ser retransmitido após a morte do corpo. O principal na filosofia, entretanto, estava no uso da lógica e na supressão das emoções.

A educação para a lógica começa muito cedo para os vulcanos. Quando eles ainda são bebês, recebem brinquedos como um “pleenok”, um quebra-cabeça tridimensional que serve para treinar os bebês em lógica primária. A partir da adolescência, os vulcanos alcançam o “Venlinarh”, um estado de disciplina tido como padrão (VENLINAHR, s. d.). Os vulcanos preservavam a sua lógica por meio de rituais de meditação. O Venlinarh já se mostra suficiente para que, no cotidiano, o adulto se oriente pela lógica e não pelas emoções, mas existem aqueles que decidem passar por um treinamento ainda mais rigoroso, o “Kolinahr”, que pretende apagar qualquer vestígio de emoção, assim como levar a uma aceitação total e irrestrita da lógica. Literalmente, as emoções são “purgadas” em um processo de dois a seis anos, mas que pode durar ainda mais.

 

Nem todos os vulcanos passam pelo Kolinahr e a sua trajetória de “pura lógica”. Spock foi um dos que se submeteram ao treinamento depois de se aposentar da Frota Estelar, mas acabou não passando no ritual final do Kolinahr, pois recebeu poderosos sinais telepáticos de uma entidade e, em consequência disso, experimentou fortes emoções (KOLINAHR, s. d.). Como se vê, o rigor do treinamento era extremo e emoções de nenhuma espécie eram toleradas, valorizando-se unicamente o poder da lógica.

 

O “fracasso” de Spock já é, por si só, a comprovação de que os vulcanos sentem, sim, emoções. Ao longo da série, temos outros exemplos de situações nas quais o oficial vulcano demonstrou emoções, como quando pensou que o Capitão Kirk estava morto.

 

O que a filosofia vulcana defende é que essas sensações devem ser sublimadas o máximo possível, pois, além de ilógicas, elas comprometeriam a estabilidade social. De toda forma, não se trata de uma civilização incapaz de ter sentimentos, e sim de uma que os reprime como parte de sua estratégia para uma vida melhor e mais pacífica.

 

Naturalmente, uma filosofia que procure reprimir emoções e instintos fará com que os seus adeptos tendam a ser pacifistas. Também os vulcanos praticavam a não violência, mas é preciso que se diga que, muitas vezes, a lógica ditava que um combate era necessário. Nesse caso, os argumentos lógicos se sobrepõem e os vulcanos podem usar armas. Eles, podem até praticar artes marciais como o tal-shaya e o Suus Mahna. O autocontrole dos instintos também fez com que a maior parte dos vulcanos se tornassem vegetarianos.

Uma das bases da filosofia vulcana, espécie de “lema” dessa raça, é representada pelo acrônimo IDIC, que significa “Infinitas Diversidades em Infinitas Combinações”. Essa expressão aparece pela primeira vez em “Não existe beleza na razão?”, quinto episódio da terceira temporada da série original, no qual Spock usa um pingente com alusão ao IDIC. A filosofia tem como símbolo o nascer da estrela de Vulcano sob o Monte Seleya, o mais alto do planeta e também o local onde Surak teve a sua “iluminação” filosófica.

 

Em relação à idéia por trás do IDIC, ela significa que a pluralidade de elementos no Universo é o que permite a existência de tanta riqueza nele, e que mesmo aquilo que, à primeira vista, pode parecer oposto e contraditório, pode de alguma maneira se agregar para gerar beleza e conhecimento (RANIERI, 2018).

 

É interessante observar que essa postura, não apenas de respeito e tolerância, mas de profunda união entre tudo aquilo que existe, foi adotada pelos vulcanos com base nos critérios lógicos propostos por Surak. Parecia lógica, afinal, a idéia de uma convivência harmônica no Universo, o que somente se faria possível mediante a valorização das diferenças e das misturas. Os vulcanos, portanto, valorizam a diversidade cultural e racial. Quem está disposto a aceitar as infinitas combinações pelas quais a vida pode surgir, afinal, estará menos propenso a se deixar levar pelas atitudes bélicas que um dia caracterizaram os vulcanos.

 

Nota-se, portanto, que a adoção da lógica pura e o desaparecimento das emoções levam a um diferente compromisso ético por parte dos vulcanos. Não é certo pensar que a vida extremamente racional que os vulcanos buscam seja igual a uma vida robotizada e livre de compromissos morais. É até mesmo para preservar uma postura benéfica para si e para o Universo que os vulcanos se valem da lógica. Eles reconhecem a existência de certos valores universais e agem para aplicá-los, sem se envolver de modo sentimental. Mesmo sem demonstrar afeto, sabe-se que os vulcanos valorizam muito a família. A união e a diversidade seriam caminhos lógicos para a melhor existência de todos.

A tradicional saudação vulcana, “Vida longa e próspera”, revela, também, aspectos da filosofia local, apresentando, de certa forma, os objetivos maiores por trás do rigoroso regime de disciplina mental a que os vulcanos se submetem. Os vulcanos, assim como os humanos, também querem viver por bastante tempo e  que  seja  uma  vida  plena  de realizações  e  conquistas.

 

Mas, contrariamente aos humanos, eles acreditam que isso não será possível sem uma mentalidade que coloque a razão muito acima dos sentimentos. A saudação aparece desde a série original e consiste em levantar a mão e exibir a palma para o interlocutor, separando o dedo médio do anelar, dizendo: -- “Vida longa e próspera!”.

A idéia de usá-la partiu do próprio ator Leonard Nimoy, nascido em família judaica. Certa vez, ele estava “em uma cerimônia na sinagoga quando viu um rabino separar os dedos da mão daquela maneira para dar a bênção. Era para fazer alusão à letra ‘shin’ do hebraico, que nesse caso era usada para representar divindade” (WOLF, 2018). Anos após mostrada na televisão a célebre saudação vulcana, Nimoy declarou que as pessoas, quando a usam, estão lançando bênçãos, o que poucos sabem.

 

Também é natural que uma sociedade como essa se destaque por um elevado grau de honestidade. Salvo algumas situações específicas, a mentira é vista como ilógica, o que parece natural, pois ela pode levar ao desequilíbrio social e à violência mútua. A própria educação das crianças é norteada pela verdade, pois, de outro modo, elas teriam dificuldades em lidar com situações inevitáveis da vida. A mentira, ou a desonestidade, afastam as pessoas da realidade e geram desentendimentos que nada têm de lógico.

 

A busca pela razão e a supressão das emoções é uma atividade necessária não apenas para o indivíduo, mas para a coletividade vulcana. Assim, as instituições do planeta funcionam com uma curiosa espécie de meritocracia que premia aqueles que melhor demonstrem pensamento lógico e mais livres pareçam estar de emoções. Em termos políticos, o governo é exercido por meio de uma democracia representativa. As necessidades de um grupo maior são sobrepostas às de um grupo menor, ou de um indivíduo. “As necessidades de muitos superam as necessidades de poucos”, é uma das máximas de Vulcano. Embora nem todos os vulcanos cheguem à “lógica total”, o controle mental da população já se tornou suficiente para garantir a sua estabilidade como sociedade.

A morte, sendo uma consequência natural da vida, não poderia assustar a um vulcano, que a enfrenta com naturalidade. Isso significa que procedimentos como a eutanásia e o suicídio assistido depois de certa idade, e com a ocorrência de enfermidades, são vistos como ações lógicas diante da passagem do tempo e da perda da qualidade de vida. (VULCAN, s. d.). O único problema “lógico” em relação à morte seria perder o “katra”, que, como dito, continua a viver depois da morte. Essa possibilidade deve ser evitada, mas nem por isso é capaz de Alterar a serenidade do comportamento vulcano.

Há quem sugira que a filosofia dos vulcanos é comparável ao estoicismo, uma escola da filosofia helenística surgida na Grécia no início do século III antes de Cristo. Afinal de contas, os estoicos também ensinavam o desenvolvimento do autocontrole como meio de superar as emoções destrutivas. Entretanto, existem diferenças notáveis no modo como as duas filosofias lidam com a realidade. Enquanto os vulcanos concedem à lógica a primazia do seu pensamento, os estoicos entendiam que ela representava só a terça parte da filosofia (as outras eram a física e a ética). Também é significativo que os estoicos não se opunham às emoções como um todo, a exemplo dos vulcanos. Eles nada tinham contra as emoções agradáveis. A própria ideia de “vida longa e próspera” é estranha aos estoicos, para quem “viver melhor”, independente da quantidade de anos em que se vivesse e dos recursos conseguidos, era o objetivo real (FERRARA, 2017). De qualquer modo, Spock declara que “a lógica é só o princípio da sabedoria, não o seu fim”.

Toda a filosofia e ideologia por trás dos vulcanos, é preciso que se diga, foi pensada por Gene Roddenberry, o criador de Star Trek, como um contraponto à humanidade. Enquanto nós estamos voltados continuamente a disputas políticas e religiosas de todo tipo, guiando-nos por emoções e instintos primitivos e obcecados pelo acúmulo de bens materiais, os vulcanos vivem uma realidade absolutamente oposta. Além do mais, o fato de Vulcano ter quase sido destruído em consequência de comportamentos similares aos que a humanidade hoje apresenta, é um forte alerta sobre os caminhos que tomamos. A capacidade do povo vulcano em se recuperar e construir uma nova realidade, pautada na lógica, é um indicativo de que a humanidade também seria capaz de mudar de postura.

 

Não se trata de “idealizar” a filosofia vulcana, mas o pensamento daquela civilização se mostra bastante útil para indicar ao ser humano os aspectos em que ele ainda precisa melhorar, a fim de que, também ele, possa usufruir de uma “Vida longa e próspera”.

 

REFERÊNCIAS:

- FERRARA, Donato. Era Spock um estoico?. De Vita Stoica, 29 dez. 2017.

- OS VULCANOS – T’khasi, s. d.. In: USS VENTURE.  http://www.ussventure.eng.br

- RANIERI, Raphael. IDIC – A bela mensagem vulcana em Star Trek!. Formiga elétrica, 03 dez. 2018.

- VENLINAHR e VULCAN, s. d. In: Memory Beta.

- WOLF, Luíza. Qual a origem da saudação de Spock em Jornada nas Estrelas?. Super Interessante, 2018.

- MEMORY Alpha. Conteúdo enciclopédico sobre Star Trek. Disponível em: http://memory-alpha.org

-

 

Compartilhe:

 

 

Artigo Por:


FLORI ANTONIO TASCA

tascaadvogados@tascaadvogados.adv.br

Graduado em Filosofia pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná. Membro Honorário da Força Aérea Brasileira – FAB.

Obs.: Todas as imagens do artigo estão disponíveis publicamente na Internet
 

 

 

 

VOLTAR

 

HOMEPAGE CRIADA E MANTIDA PELO WEBDESIGN:  MDANIEL LANDMAN  grupoussventure@gmail.com

Star Trek®  e todas as séries derivadas, assim como os personagens, são marcas registradas da Paramount Pictures,

 uma divisão da Viacom, com todos os direitos reservados.
Esta Homepage, bem como todo a material e publicação aqui apresentados estão livremente disponíveis ao público, e tem por finalidade apenas divulgar a série e compartilhar todo o conhecimento com as gerações futuras, sem fins lucrativos.